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Memórias

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Ao ver uma fotografia da catedral de Vacaria, percebi que aquele templo é uma das minhas memórias mais antigas. Nem sei que idade tinha, mas lembro de um casamento naquela igreja, onde fui levada por um casal de tios. Recordo da dor causada por um sapatinho branco de verniz e que, por não conseguir caminhar, meu tio me ergueu aos seus ombros. Acho que naquele momento enxerguei as torres da catedral, para mim enormes, e essa cena ficou gravada na minha mente.

Esse fato me veio à lembrança e com ele um sentimento de saudades e de culpa. Aquele casal tinha um afeto especial por mim, para quem era uma espécie de "sobrinha favorita". Não soube retribuir. Ao me afastar, pelas circunstâncias da vida, não ofereci o mesmo carinho recebido quando eles precisaram: na doença, na velhice e no momento da morte. Foi um colo acolhedor jamais recompensado.

Norberto Bobbio, famoso filósofo italiano, ensinou que somos aquilo que recordamos, ao que o médico e cientista Iván Izquierdo complementou: "e também somos aquilo que resolvemos esquecer".

A vida é feita de pequenos momentos inéditos sobre os quais temos pouca ingerência. As lembranças que temos deles são nosso maior tesouro, mas esquecer as humilhações, os fracassos, as dores e as situações desagradáveis e marcantes, também é importante. Por defesa tornamos essas recordações de difícil acesso ao nosso cérebro, no entanto é necessário que também sirvam de aprendizagem na nossa caminhada.

A família tem grande influência nessa construção, afinal ao lado dela temos nossas primeiras e mais significativas experiências. Eu sou quem sou e cada um é quem é pela soma dessas experiências e memórias. Através delas moldamos nossas personalidades. E nos tornamos únicos.

Nesse tempo de isolamento social essas lembranças tomaram uma importância maior, porque a vida nos deu "um tempo" para a reflexão. Os usuários do Facebook sabem disso, pois a ferramenta oferece o item "lembranças", trazendo diariamente as suas publicações de anos anteriores. São pequenas "cápsulas do tempo", num tempo presente tão solitário, como um álbum de recordações que reaviva as alegrias e também as tristezas.

Nossas memórias devem servir também para nosso autoconhecimento. Se o passado nos identifica e o futuro, como ensina a sabedoria popular, a Deus pertence, só nos resta o efêmero presente. Na reconstrução diária e na consciência de que o tempo não volta, devemos reavaliar nossas atitudes, buscar nosso aprimoramento pessoal e, com ele, o bem-estar de todos os que nos cercam.

Tenho pensado sobre o que levaremos de memória de 2020. Como traduziremos essa vivência para futuras gerações. Nossos relatos não deverão somente dos momentos desesperadores, do medo e das angústias. Temos o compromisso de levar essas lembranças como lições de vida, de esperança e de solidariedade. E que os "colos acolhedores" que recebemos nesse momento difícil possam ser retribuídos e não sejam uma culpa a pesar nas nossas consciências. Só depende de nós.

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